Nada será como antes
quinta-feira, 30 de outubro de 2008Harold and Maude, roteiro do diretor inglês Colin Higgins, ganhou uma versão cinematográfica ao ano de 1971. Harold é um jovem careta de 19 anos com aparência mórbida e comportamento suicida. Maude é uma doce senhora de 80 anos que vaga pelas ruas da cidade, guardando consigo a história fantástica de seu passado. Das viagens pelo mundo a fora, Maude pesca pequenos contos dos quais nunca se sabe da verdade ou do delírio. À época em que, por exemplo, morava na Áustria e ainda era casada com um conde desse mesmo país, lembra-se de quando o marido havia chegado em casa com presentes para lhe aliviar o tédio. Um alfinete em cuja cabeça estavam escritas as palavras mais sábias do mundo: “Isso passa. Isso também passará”. Palavras tão miúdas que só poderiam ser lidas com o auxílio de uma lupa. Foi assim que Maude aprendeu a jamais ceder suas pernas a trilhos de tristeza. E foi assim, também, que o pálido Harold apaixonou-se por ela.
Em 2001, o texto de Higgins foi montado em Salvador com o título Ensina-me a Viver para comemorar os 45 anos de carreira de Nilda Spencer, atriz baiana de teatro. Nessa mesma montagem do espetáculo, a cena em que Haroldo permite-se ser desarmado pelo encanto terno de Maude é acompanhada por um bandolim. O próprio rapaz gagueja com os dedos sobre o braço do instrumento e, para cada nota aguda que alcança, uma estrela pipoca de sua boca, desenhando o sorriso nunca visto. Haroldo descobre-se apaixonado pela senhora quase centenária ao som de Vapor Barato, canção de Jards Macalé e Wally Salomão. A força desse momento no palco, intensificada pela música, além de coroar a virada do enredo, representa a fuga esperançosa para longe do peso das convenções e a busca de um paraíso melodioso, colorido e possível.
Vapor Barato tornou-se hino da chamada Geração do Desbunde. A composição ocupa um momento importante do primeiro álbum duplo de Gal Costa, chamado Gal a Todo Vapor, lançado também em 1971. Eram duas faces de uma mesma cantora sobre palco. Coração Vagabundo e Falsa Baiana foram acompanhadas apenas por um violão empunhado por Gal. Interpretação contida e intimista, como quem obedece aos princípios da sedução bossanovista e divide esforço entre o instrumento e a execução vocal. Vapor Barato, no entanto, pontua a virada do show logo após seu primeiro estribilho. A harmonia é invadida por guitarras, pedais, baixo e bateria. Gal, sem o violão no colo, mas acompanhada pela banda, pôde apenas cantar. A segunda face gritava, visceral e inquietante. A boca vermelha e os cabelos fartos, fotografados para a capa do disco, tornaram-se suas marcas registradas a partir de então. Sua atitude tropicalista, em plena mise-en-scène, rouba-lhe o violão joãogilbertiano e a consagra como musa marginal do movimento.
8 de novembro de 2008 às 11:28
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